quarta-feira, 8 de julho de 2009

ACABEM COM O CAGAÇAL!...

ACABEM COM O CAGAÇAL!...*


Sugiro à ASE, (Associação de Solidariedade Estarrejense) que pelo menos em época estival, envide esforços com vista a proporcionar noites calmas, isentas do barulho natural consequente de alguma animalada sem quaisquer princípios éticos, que a Natureza concebeu para azucrinar os labirintos auditivos do ser humano, quando estes, bem limpos de cerume lhe permitem umas noites de merecido descanso.
Decretem-se normas para os cães deixarem de ladrar ou uivar na calada da noite, permitindo que lhes seja enfiado um batoque na boca, porque não se consegue cochilar em conciliação absoluta com o nosso ego.
Afiem-se as naifas e degolem-se os galos para uma boa arrozada, porque eles também poluem o silêncio das noites com o seu repenicado e irritante cantar, numa abusiva provocação ao silêncio de quem descansa.
Afoguem-se os grilos, as cigarras e os ralos, que aborrecem quem oniricamente repousa, enquanto eles, de contentes, esfregam as asas nas noites de calmaria estival para obterem uma lufada de ar fresco, seu método de ar condicionado natural e anti-poluente.
Calem o renitente, chato e refilão piar do mocho, porque o seu pio agoirento irrita quem está navegando na bonança dos braços de Orfeu.
Liquidem a coruja. Essa noctívaga visitante dos campanários, das casas velhas, moinhos e cabanais, cujos “bufos” fazem levantar os pêlos da pele que, lembrando almas penadas vindas do outro mundo, como se elas fizessem mal a alguém, não deixa dormir em paz quem os ouve.
Castiguem os mosquitos e as melgas que para além de picarem, atormentam-nos com o seu irritante zumbido, obrigando-nos a manter em vigília para lhe darmos cabo do canastro à travesseirada.
Silenciem as rãs e cortem-lhes as pernas – fritas são muito boas – para não mais botarem a cabeça fora da água, porque o seu coaxar, principalmente nas cálidas noites de Verão e em épocas de cio quando as feromonas invadem o ar, não permite a ninguém sonhar sossegadamente, para que elas, numa orgia sem qualquer pudor, passem toda a noite no triqui-triqui.
Requesto à ASE que arranje forma de acabar de uma vez por todas com a Arca de Noé, para ficarmos a habitar num mundo cinzento, sem graça alguma e onde também não iremos conseguir adormecer na paz dos deuses, graças às sirenes da polícia, dos bombeiros e das ambulâncias, por vezes abusivamente accionadas sem razão para isso, ao ensurdecedor e prejudicial barulho dos escapes livres de algumas motas e motorizadas ou de carros velhos a um mês de irem à inspecção etc.
Contudo, mesmo que a ASE conseguisse dar cabo de toda essa cacofonia e sucatada, estou convencido de que haveria muito “boa” gente que não conseguiria ressonar em condições devido ao barulho causado pelo cavernoso ribombar do peso na consciência ou do fininho zumbido nos ouvidos, maleitas que a medicina ainda hoje não consegue debelar.
Para estes incómodos e outros similares, em psicologia existe o termo PSICOADAPTAÇÃO, que consiste em adaptarmos o mundo que somos ao mundo em que vivemos. De outra forma nunca conseguiremos viver em paz nem dormir bem de noite e corremos o risco de passarmos o dia a dormir na forma.
Pensando melhor: a ASE que não acabe com as rãs, porque ficarão as larvas das libelinhas sem girinos, factor vitamínico e proteico, primordial da sua alimentação, além de acabar também toda aquela musicalidade natural e tão bonita, própria das noites quentes de Verão.
Não acabem com o cagaçal.



António Figueiredo e Silva
Coimbra

Blog: www.antoniofigueiredo.pt.vu


*Vem esta “alienada” crónica a propósito de um lamento,
justificável, é verdade, de uma habitante do Bairro da
Teixeugueira, inserida no “Jornal de Estarreja” em 03/07/2009,
sob o título “As rãs da Teixeugueira”.
Deu-me piada pela hilariante descrição e eu aderi ao arraial.

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