sábado, 4 de julho de 2009

O CANTO DA SEREIA

O CANTO DA SEREIA
(Carta aberta ao nosso Primeiro-ministro)


Exmo. Sr. Primeiro-ministro.


Não adianta dictar discursos inflamados de realidade forçada, porque dificilmente a causticante crise que grassa neste país que o Sr. mais o seu elenco, tão bem têm governado, fugirá tão cedo do lugar onde se encontra grudada.
Eu sei que uma miragem é capaz de fazer uma criatura atravessar um deserto, isto é, se o camelo não for estúpido ou morrer pelo caminho; aí nada feito.
Sabe, Sr. Primeiro-ministro, que os portugueses tiveram uma ilusão durante trinta anos, por serem lerdos da mona, e somente agora se estão a aperceber da esfarrapada realidade que os cerca, apurando com grande apreensão quão grande é a imensidão do deserto a transpor.
Certamente que não desconhecem que apesar da crise ser globalizada, como V. Exa. argumenta, ela aqui está bastante fermentada e enraizada para uma longa duração, se esta chegar a finar. Decididamente que não tenho quaisquer dúvidas em afirmar que ela irá ter fim; o que não posso prever é qual será!? Primeiro porque somos pobres de solo e segundo porque temos sido estéreis de cabeça. Ah!... Temos uma riqueza que me ia escapulindo da lembrança: presunção. Essa moléstia degradante que sempre nos tem perseguido através dos tempos e faz de nós aquilo que hoje somos. Não é mau, pois não?...
O Sr. Primeiro-ministro sabe que vêm aí as próximas eleições Autárquicas e Legislativas, aliás, para as quais encetou hábil e atempadamente, fogosos discursos propagandísticos, martelando as palavras na cabeça dos portugueses, - naqueles que a têm mais empedrada - com gestos que me transportam à memória Benito Mossulini. Como é evidente, não sei qual será o desfecho dessa renhida contenda; contudo, e apesar do meu raciocínio poder vir a ser tido como impróprio para consumo, a crise irá persistir por longo período no seu lúgubre infortúnio, dê para onde der!... Quando só há para os graúdos não se deve fazer promessas aos miúdos. É que enquanto os pançudos são muitos, os miúdos são mais do que as mães e juntos são capazes de fazer um chinfrim dos diabos, capaz de fazer tremer a estabilidade dos graúdos!
Satirizando a verdade, repare agora V. Exa. na situação organizativa da capoeira concernente ao hemiciclo Parlamentar: muito senhor de si, como se fosse um colossal economista, encarrapitado no galho mais alto do poleiro, um galo canta áreas que não são do posto da sua “formatura”, calorosamente ovacionado por umas largas dezenas de galispos que à sua volta leviana e sagazmente se vão picando entre si e ao mesmo tempo bicando as suas rações e as que outros menos afortunados haveriam de papar, numa bem urdida panelinha com robusta coesão tutelar. Todo este aparato, para, como se costuma dizer, tapar o sol com uma peneira, num ensaio de manter o eleitorado na penumbra da ignorância, onde a passividade controla a resignação.
Uma grande maioria do votantes tem a noção de que o Sr. Primeiro-ministro se tem empenhado num ciclópico esforço para moderar a sua teimosia proselitista por uma “condescendente” quietude figurada, traída esta última, pela expressão fisionómica que aduz, a meu ver situada em posição antagónica da razão que fogosamente aspira induzir.
Estou plenamente convencido, Sr. Primeiro-ministro, que nem com todas as “rasteiras” vocabulares arquitectadas pelos mais “exímios ideólogos” da facção que milita e protege, ou tecnicamente engendradas (por isso é que V. Exa. é “engenheiro”) no mais puro aço da intelectualidade que a cabeça de V. Exa. confina, os portugueses irão embarcar no barco de papel pardacento que tem vindo a ser construído no estaleiro naval da política, durante estes últimos quatro anos, dirigido sob sua gesticulante batuta.
Sr. Primeiro-ministro!... Como pode isto estar bem, se empresas continuam a encerrar, o desemprego não pára a sua escalada, o descontentamento generaliza-se e o senso comum está a diluir-se nas águas inquinadas do desespero?...
O trabalho, antes considerado uma necessidade, é hoje mais do que isso:
Ter emprego é um luxo.
Fazer ouvidos moucos ao canto da sereia é um benefício.
Atenciosamente.

António Figueiredo e Silva
\
Coimbra
Blog: www.antoniofigueiredo.pt.vu

Sem comentários:

Enviar um comentário