quarta-feira, 15 de julho de 2009

SERMÃO AOS PEIXINHOS

“SERMÃO AOS PEIXINHOS”


À semelhança de Santo António, figura pela qual venero grande admiração e profunda fé, vou fazer, não um “sermão aos peixinhos”, porém uma prédica às rãs do rio Tâmega, que como todas as demais, merecem toda a minha consideração e estima.
Batráquios:
Estou aqui, no púlpito deste papel, para vos dirigir minhas palavras, porque sei que a vossa inteligência supera a ignorância Humana! Porque sois inofensivas e condescendentes, quer material quer espiritualmente, a malícia, a maledicência e a ignorância, condimentos que nos humanos por vezes conduzem a interpretações erradas, não têm lugar no vosso ser, que, apesar de parecer franzino, se os Humanos conseguissem dar saltos como vós dais, evidenciado a proporção da massa corporal, nunca, mas nunca, o nosso Mundo estaria na desagregação em que se encontra, onde ninguém se compreende nem tenta fazer o mínimo esforço um para isso.
Tenho a certeza queridas rãs, de que ao ouvirdes a minha dissertação sobre o estado de ignorância que paira neste mundo, ireis certamente saltar para a borda dos charcos e lagos, vosso habitat natural, e, quando a lotação estiver esgotada, o resto dos ouvintes pelo menos boiará à superfície das águas com as cabeças de fora, para em uníssono, coaxando por noites indefinidas, aplaudirem o significado do meu efusivo sermão.
Eu sei, que pelo menos vós sabeis ler nas entrelinhas. Sabeis distinguir um insulto de uma ironia, e, sem complexos, sabeis distinguir uma falta de educação de uma inofensiva sátira, onde por vezes a mordacidade tem um papel construtivo.
Olhem: ficais agora a saber, que o Homo Sapiens, através da sua evolução inversa, a que ele chama progresso, se transformou no Homo Burrus, cujos recalcamentos e nefastas pulsões a ele se afloram, quando erradamente por falta cultura, moléstia que lhe atrofia o discernimento, cogita que foi atingido pelo relâmpago do criticismo rasca e o chama a si, por reconhecimento próprio e indubitável da sua ignorância latente, numa infundada censura que por vezes não lhe diz respeito.
Amigos batráquios!... Com a idade que tenho, já nada me causa admiração neste mundo canino, onde todos se procuram morder uns aos outros, até mesmo aqueles a quem o trinca-palha desapareceu, que não trincam mas mascam e pisam.
Queridas arrãs!... Sinto o meu espírito explodir de alegria, por ver que num silêncio absoluto à diáfana luz da aurora, vós em absoluto silêncio me escutastes e compreendestes a profundidade e a acutilância das minhas palavras. Foi bom!
Ide!... Tomai o vosso natural caminho. Agora podeis coaxar à vontade em eufórica manifestação de apreço a este meu sermão, porque ele é de compreensão tão sublime que só vós o entendestes, enquanto o Homo Burrus, na sua dolência, continua a trincar os seus cascos digitais, matutando no vazio, parasita que minou e ocupou o lugar da sua compreensão.



António Figueiredo e Silva

Coimbra

www.antoniofigueiredo.pt.vu

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