quarta-feira, 28 de outubro de 2009

"S. SARAMAGO" (d'O Evangelho)

“S. SARAMAGO” (d’O Evangelho*)

Naquele tempo, ia Jesus com os seus discípulos caminhando por um andurrial cheio de pedras e pedregulhos, - ainda não havia os lobbies do alcatrão-, sob o sol escaldante que estorricava os cornos ao diabo, - que já naquele tempo existia - com os pés a doer porque as sandálias eram pouco confortáveis, e vencidos pelo cansaço, sentaram-se debaixo de uma figueira para sornarem um bocado e entrarem em contemplação meditativa, embalados pelo cavernoso ressonar do “grupo”.
Não se ouvia a irritante poluição sonora dos carros da polícia quando protegem cão grande, ou das ambulâncias das pildras quando algum recluso se arrependeu do mal que fez.
Como naquela pequena colina, quase rapada de verdura, os pinheiros não eram nenhuns, também não se ouviam as abrasivas sirenes dos bombeiros em frenéticos movimentos para abafarem os fogos criminosamente ateados pelos maubeiros. O silêncio era de paz! Podia-se ouvir o zunir das moscas, o zumbir das abelhas e o cantar das cigarras naquela soturna calmaria. Ninguém mais piava!
Nisto, Pedro, o mais brutamondes e o menos meditador de todos, inclina a cabeça para a esquerda e põe a mão em concha sobre orelha e... Zap, plac! Zap, Plac! Zap, plac! (?...) - Vem aí alguém ?!... –murmurou em surdina para todos, que acordaram meios zonzos. Entreolharam-se em sinal interrogativo e ao mesmo tempo de cagaço, e Jesus ao ver aquilo disse:
- Aquietai-vos, homens de pouca fé. Estais comigo e o meu Pai proteger-nos-á. E eles aquietaram-se mesmo.
Zap, plac! Zap, plac! Zap, plac (?…). Então quando todos tinham os olhos pregados na primeira curva à sua esquerda, viram assomar um velhote, com a túnica rota e cheia de remendos que escondia uma esquelética carcaça, com um olhar de fariseu por detrás de uns óculos que mais pareciam duas montras, e com os pés meio mumificados enfiados numas sandálias com solas de casca de palmeira, numa das quais havia uma tira de couro cru descosida. Zap, plac! Zap, plac ! Zap, plac ! Lentamente arrastando os pés sob o peso da consciência, foi-se aproximando e acercou-se do grupo. Quando todos o olhavam com interrogação e espanto, (?!) numa baforada de bom camarada, cortou o silêncio:
- Boa tarde Mestre.
Quem és tu, pobre homem? – Perguntou Jesus.
- Eu sou Saramago o escriba de Jerusalém. Aquele a quem Tu admoestaste por causa das suas baboseiras e blasfémias sobre Ti o os Teus seguidores.
- Já sei, respondeu Jesus. E não me digas que vens para aqui com a mesma ladainha?!..
- Tu és aquele que escreveu a condenar a minha pregação sobre o verdadeiro comunismo e que os Portugueses censuraram?
- Mestre, mas eu...
- És aquele que escreveu que a Bíblia “é um manual de maus costumes”?...
- Mestre, mas eu...
- Cala-te, -disse Jesus. Agora quem fala sou eu. Quem és tu afinal, miserável réptil do deserto, para interromper a minha divina interpelação? E Saramago ruborizou, engoliu em seco e calou. E Jesus, depois de lançar um olhar invectivo e reprovador, continuou:
- Foste tu que condenaste ao despedimento vinte e três redactores, quando foste chefe de redacção do Diário de Notícias, por eles não querem comungar das tuas ideias e agora ficas chateado por te condenarem?... Isto é que tu me saíste um grande democrata!? Um grande patife!..
- Mas eu, Mestre...
- Outra vez?... Fecha-me essa imbecil matraca que ainda não acabei!... Mas, para abreviar as coisas, porque a minha condescendência divina é grande e além do mais tenho a boca seca, - disse Jesus com mais suavidade - assim não, meu filho (da mãe); em verdade te digo, que se não mudares de ideias e não deixares de escrever ou de dizer patacoadas, é certo e sabido que nunca entrarás no reino dos Portugueses, nem tão pouco no reino dos Céus. E Saramago, esticando para a frente o pescoço magro semelhante ao de uma tartaruga gigante e olhando o para o chão com cara de macambúzio, disse:
- Mas, Mestre, estou arrependido!... Sei que me excedi, não quero polémica e por isso é que Te tenho procurado por toda a Galileia. Olha o estado deplorável do meu corpo e do meu espírito!?
- Ah, bom!... – Aí Jesus condoeu-se. Se tu o dizes, estás perdoado e farei de ti um pescador de homens, mas antes quero aconselhar-te que, sobre o teu corpo, vás tomar banho porque que cheiras a mijo que tresandas; e sobre o teu espírito que medites bem as coisas antes de as executares e deixa-te de imbecilidades e calhordices. Que meu Pai te abençoe - disse Jesus antes de concluir. E agora deixa-me em paz e desanda; e tem juízo na tinênta, porque tens andado muito arredio. E Saramago desandou, mas mais aliviado.
E naquele momento Saramago arrependeu-se – mas não se converteu – e prometeu trocar os bens terrenos pelos bens marítimos. Se bem o disse, melhor o fez, e até foi viver para uma ilha como eremita, mas à grande e à francesa, não como um simples proletário, mas como um esmerado fascista.



António Figueiredo e Silva
Coimbra

*Do Evangelho segundo
António Figueiredo e Silva

Blog: antoniofigueiredo.pt.vu

1 comentário:

  1. Amigo António Silva:

    Gostei muito do seu artigo sobre S. Saramago, embora faça uma certa critica a Cristo.

    Também eu escrevi sobre saramago, se quiser visite o meu blog em:

    crespodecarvalho.blogspot.com

    Está de parabéns, primeiro li nas Beiras depois decide visitar o seu blog.

    * daqui José A. Crespo de Carvalho (filho de João Manuel Crespo de Carvalho (ex clientes seus)

    1 abraço

    ResponderEliminar