quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

CAPITALISMO, PODER E ESCRAVATURA

No futuro, esta será a comida que de certo restará aos portugueses, se a governação vigente se mantiver por muito mais tempo.


Apesar d’esta crónica ter sido
escrita há 1335 dias e com cobertura
nacional, observem os leitores se
não está mais actualizada do que nunca!

*CAPITALISMO, PODER E ESCRAVATURA
Soterrando todas as normas da harmonia social, o capitalismo artificioso e fora do comum, vem promovendo a escravatura que actualmente se vive. Este, exerce sobre a massa obreira uma tenaz e persistente pressão psicológica, com o objectivo de absorver o máximo de lucros no fim das safras. Chupa os seus colaboradores até à medula, exigindo-lhes objectivos por vezes intransponíveis dentro do horário normal de trabalho, obrigando-os a declinarem parte ou quase toda a vida familiar a que deviam ter direito, para poderem dedicar-se monástica e integralmente à causa que lhes é cinicamente imposta, em género de convite obrigatório, e, como tal, em tom suave mas cinicamente ameaçador.
Sendo a oferta maior do que a procura, obtêm como resultado um charco de “azoto” aonde os chorudos e proliferantes lucros crescem e se multiplicam como bactérias, num espaço impermeável à fiscalização e consequentemente à lei, mas, tudo ardilosamente calculado.
É neste criminoso matagal que vagueia a escravatura moderna! De sapatos a brilhar, mas “com as solas rotas”, com bonitas gravatas encastradas em camisas de boa aparência compradas nos mais baratos saldos, embutidas num fato que não viu paga a sua última prestação, ostentando no pulso relógios de famosas marcas comprados nos chineses e movimentando juntamente com cotão, uns trocos do próximo ordenado que, antes de vencido, já foi previamente hipotecado ao banco.
Toda esta miséria existe sob o disfarce de um sorriso aberto mas de nervosa palidez, adornado por uma mise bem feita, donde brotam dos lobos das orelhas uns penduricalhos de plástico ou lata, em simbiose com o “cromado” do baton e a cor ou a transparência envernizada dos “cascos”. Remedeia a larica estomacal com uma miserável sandes ou um falsificado croissant, que é de tudo menos de farinha de trigo, afogando a mistura, mágoa, pastel ou sandes, num copo de água-del-cano que sempre é de borla - sabe-se lá até quando! - argumentado para este ritual a falta de apetite ou a pressa – que raras vezes são verdades.
Este é o retrato da escravatura do nosso século, manifesta e deliberadamente propagada pelo capitalismo, que o poder, pela sua contaminação não consegue suster, porque ele é o próprio poder. E é neste capitalismo que se gera num ambiente tumultuoso, manifestado sobre pressões de ordem psicológica, que com o andar dos tempos se transmutam em depressões sem cura e arrumam o ser humano para a prateleira da inutilidade ainda numa idade produtiva.
No nosso século, quer se queira ou não, é-se velho sendo-se ainda novo. É a isto que eu chamo de envelhecimento prematuro; consequência da falta de humanismo que por si é decorrente da ganância doentia que se converte em sede de poder.
Não me interessa o país dos outros. O que me interessa é o meu. E aqui, quer queiram quer não, já cá chegou a moléstia; isto passa-se e com tanta intensidade que qualquer bacôco consegue ver.
A manada é tão grande e tão diversificada, que os donos do grande capital podem escolher os perfis que mais lhes convêm para o desempenho das funções a atribuir e pelo espaço de tempo que desejarem. Para o efeito, o “palhaço” não possui nome, mas apenas um número digitalizado num CD ou no disco duro de um computador.
O ritmo deste estado de coisas está a atingir uma aceleração de tal forma, que estou a ver que não há poder que lhe trave o frenético impulso. Está-se a atingir uma completa e tenebrosa situação de anacronismo a todos os níveis, não exceptuando desta maleita o próprio governo.
E assim se nos apresenta uma nova forma de escravatura, sem tanga e sem chicote nem grilhetas; mas esta é pior que a outra, porque não há esperança na obtenção de uma carta de alforria! Porque esta escravatura sobe à medida que o capitalismo selvagem avança e cria o poder escuro - mas legalizado - para sua auto-protecção.
O resto são escravos! São simples números! São palhaços compulsivos.
Se isto assim continua nesta desenfreada cavalgada, qualquer dia só existem bestas de carga sem vontade própria, que suportam o aperto do arrôcho e docilmente obedecem à lei do chicote.


António Figueiredo e Silva
Coimbra

*Obs: Para quem já leu, pode verificar que
esta narração sofreu pequenas modificações
no seu conteúdo, não tendo alterado porém,
a integralidade do seu sentido.
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Blog: Antoniofigueiredo.pt.vu

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

SÓ TÉCNICA E DOUTORICE

SÓ TÉCNICA E DOUTORICE


Quando em horas de “lazer” percorro os andurriais da minha imaginação, por vezes dou comigo a rir sozinho feito um doido varrido, – e até sou! - por chegar a conclusões que, de tão risíveis que são, me colocam num estado de “aparvalhada” alegria.
Ao mesmo tempo chego à patética conclusão de que estamos num país bastante desenvolvido “técnica e doutamente”, porque não o estamos mentalmente. Cá, a técnica e a doutorice transborda por todos os cantos e esquinas, prova evidente e irrefutável de que realmente somos um país de “artistas” fora do comum, por opção, e megalómanos convictos por obrigação congénita.
Pela maneira e pelo tom como os vocábulos “técnica ou doutorice” e seus derivados são aplicados, o que nos apraz concluir é que manifestamente não somos mais do que uma sociedade de vaidosos, acentuadamente estupidificados.
Começou por deixar de haver agentes técnicos de engenharia, para termos engenheiros técnicos. Isto para que ao Sr. Abel não chamemos Sr. Abel, mas sim Sr. Engenheiro Abel, como os outros que se licenciaram nas Faculdades de Engenharia. É muito mais fino, não é, Sr. Abel?...
A palavra varredor foi banida do nosso vocabulário quotidiano e passou a ser Técnico de Higiene e Limpeza. Realmente para este serviço é necessária uma técnica requintada, se não morremos todos sufocados na porcaria que fazemos. E se for do que pertence à recolha dos resíduos das nossas cozinhas, podemos morrer com algum tomate podre entalado na garganta, uns talos de couve a tapar-nos as narinas, uma lata de sardinha vazia no cocuruto da cabeçona, os pés ensopados em alguns pacotes de leite podre, algumas salsichas cheias de bolor metidas nos ouvidos e um ranhoso nabo ou cenoura em cada mão. Que triste figura! Para que tal não aconteça é necessária uma técnica desgraçada.
Não existem fiscais sanitários mas Técnicos Sanitários. Vejam lá se não soa melhor!? “Tem o papel higiénico no lugar devido? E lava-mãos com desinfectante? Por acaso existem por aqui alguns hóspedes indesejáveis?... Como moscas, baratas, ratos, mosquitos, ou outros animais pensantes? Aconselho a colocar à entrada da porta, em sítio bem visível, um letreiro, “proibida a entrada a animais” (?).
Treinador de futebol?! O Técnico de Futebol ou o Mister, seu sabujo!... Qual treinador, qual carapuça?! Então Técnico ou Mister não é mais fino? P’stá claro!
Há também os Técnicos de Canalização, que já não são simplesmente canalizadores e muitas vezes deixam roturas nos serviços por eles executados, não por incompetência mas por não lhes ser reconhecida a licenciatura; não é por falta de saber, mas por uma pequenina vingança social.
Mecânicos de refrigeração, actualmente são Técnicos de Frio. Neste caso é para não haver confusão, pois há muita gente que pensa que refrigerar é aquecer.
Mecânicos de Automóveis também estão prestes a desaparecer, porque até a Marta vai enviar imediatamente um “Técnico” para substituir o pneu!?...
As farmácias deixaram de possuir empregados de balcão, para suportarem Técnicos de Farmácia.
Já não há carpinteiros ou marceneiros, mas Técnicos de Carpintaria que muitas vezes nem uma “gaiola” mal feita sabem fazer.
Repare-se que até já não existem vendedores!... São Técnicos de Vendas, caríssimos!!!
Isto para não falar nos nomes pomposos como Manager, Técnico de Marketing etc. até conheci um que se intitulava Director Manager, ahm?! É boa não é?
Contínuos; a continuidade desta palavra chegou ao fim e deu lugar a outro nome de maior quilate, cuja fineza se estampa nas/os “Auxiliares de Acção Educativa”.
As coisas estão realmente bem vistas; até para tomar conta de crianças que muitas vezes os pais não sabem educar, são necessárias Educadoras de Infância - que não sejam os pais a educá-las e vão ver onde isto vai parar!?
Também existem para outras funções como o próprio nome indica, “Auxiliares de Acção Médica”. Isto também não é para qualquer um (?).
E agora com as licenciaturas em tudo, existem os Enfermeiros drs., Dentistas drs., guarda-livros, mais conhecidos por Técnicos de Contas, agora também drs., Assistentes Sociais drs., Optometristas drs., Audiologistas drs., Podologistas drs., Educadores de Infância drs. e na indústria hoteleira, Empregados de Balcão drs., etc. Vejam lá que até aos coveiros lhes enterraram o antigo e necrófobo nome e passaram a ser designados como Técnicos de Profundidade.
Os da Propaganda Médica, para não serem confundidos com os vendedores da banha de cobra do Instituto Butantam de S. Paulo, passaram a Delegados de Informação Médica. Sempre é mais suave e bem merecido – na sua maioria não são drs., mas têm a mania que falam com eles.
O que nós actualmente mais precisávamos era de Veterinários, os verdadeiros Doutores, para tratar esta animalada que não anda bem da caixa-dos-pirolitos e um Técnico de Calçado de Ferro, antigo ferrador, para lhes tratar dos cascos o polir-lhes a ceratina dos chavelhos.


António Figueiredo e Silva
Coimbra