quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

A MOSCA

A MOSCA

- Onde fica um restaurante que me poderá servir um cozido à portuguesa? – Perguntei.
Chega ali à rotunda, sobe aquela rua de pedra, sempre, sempre, até começar a descer e lá no fundo existe um. Chama-se “X”.
Seguindo as indicações para lá me dirigi encontrando de facto um restaurante que pela aparência exterior me pareceu uma espelunca. Ficámos um pouco indecisos mas resolvemos entrar tendo o caso mudado de figura e o meu apetite aguçou de novo. Duas salas contíguas bastante grandes, decoradas rusticamente, tudo muito limpinho, uma grande cozinha asseada também, donde podíamos ver tudo o que nela faziam.
- Boa tarde, -diz o empregado simpaticamente. Temos cordeiro assado com batatinha no forno, vitela assada com arroz...
- Não diga mais. Vitela assada no forno se faz favor – disse eu.
Comecei por examinar os talheres, como é meu costume e encontrei um garfo com restos de comida agarrados. Nada mau – pensei. Discretamente chamei o empregado e solicitei-lhe que me trocasse o garfo em causa por outro, o que ele solicitamente fez.
Os minutos foram passando enquanto me ia entretendo a malhar nas entradas, até que chega a vitela – lombo por sinal - com boa aparência, bem apresentada e com soberbo cheirinho.
Com todo o cavalheirismo que me é peculiar quando estou bem-disposto, servi a minha mulher e a mim, dando de seguida, início ao exercício da mastigação com as glândulas salivares no seu máximo de produção. Tagarelando e comendo, lá íamos dando cabo do apetitoso lombo. Já havíamos passado de metade, quando a minha mulher me chama à atenção para a travessa das batatas.
Olha ali – diz baixinho.
Reparo e vejo um animal alado, de cor azul pavão, com repugnante aspecto, entalado nas apetitosas batatas. Uma mosca varejeira?! O pensamento começou a fervilhar e o estômago a fechar-se. Talvez este animal tivesse sido gerado nalgum cão raivoso ou gato mortos há dias; ou tivesse estado a pôr a sua criação vivípara nalguma ratazana já suculenta de podre. Formou-se uma invasão de pensamentos que me cortaram completamente o apetite provocado pela galga que dantes sentia. Mas donde raio teria vindo aquela mosca?... Se calhar foi fantasma de algum cagalhão mal assombrado, quem sabe.
Fiz sinal ao empregado para se aproximar e disse-lhe num sussurro:
- Por favor retire esta travessa daqui e verifique o que ela tem a enfeitar as batatas.
O homenzinho ficou para morrer mas manteve o silêncio aliado a uma expressão de vítima. Mas as coisas acontecem. Por mim eu perdoava, mas o meu estômago não.
Pedi a conta e paguei não antes de lhe segredar por entre os dentes, mas em tom de brincadeira:
- Não se aborreça com o que se passou e guarde a mosca para amanhã. Que nunca mais chegou, claro.
Puta que pariu a mosca. E neste país há tantas!... Não sei se por causa do cheiro a podre, ou da muita merda que cá por existe.

António Figueiredo e Silva

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