terça-feira, 22 de março de 2011

ARTE DE BEM MONTAR

Esta crónica já foi escrita em 17/04/2007,
tendo sido publicada em diversos periódicos.
Vejam os portugueses, ao tempo que andam
a ser montados e só agora estão a sentir na carne
o dilacerar das esporas. Demorou muito tempo,
porém quer-me parecer terem abandonado a letargia (?).
É triste!
ARTE DE BEM MONTAR…
(Carta aberta ao Primeiro-ministro)


Exmo. Sr.


Enquanto estou embalado pela “convicção” transmitida através dos falamentos de alento e confiança que V. Exa. tem dado aos portugueses no decurso das palestras televisivas, eu quase me sinto verdadeiramente como um peixe na água, por sinal bastante poluída para o meu gosto. Oxalá que não me arrependa e não venha a sentir-me como o boi na bosta, remoendo a pensativa palha proveniente do campo da incompetência. Não colocando à margem esta circunstância, provavelmente será a mais certa. Mas longe de mim tal ideia!? Isto é apenas uma divagação e penso que não me irá levar a mal por isso.
A governação tem sido boa, isto é, à maneira de V. Exa.. Os portugueses, apesar de um macilento sorriso, até tiveram mais dinheiro para gastar em prendas neste Natal, segundo as resenhas levadas a efeito pelas diversas emissoras de televisão, que gravitam à roda do sensacionalismo, principal objectivo da sua caça às audições, que de boca aberta e mente cerrada, ouvem verdades e mentiras sem saberem destrinçar o trigo do joio.
Saiba V. Exa. que eu nunca acreditei no pai natal, razão essa que me leva a ser apreensivo, não acreditando com excitado fanatismo em tudo o que ausculto. Por tal razão, penso que os portugueses foram “salvos” pelos cartões de crédito generosamente oferecidos pelas instituições bancárias, cujo gesto de falso altruísmo irá ser pago com língua de palmo e meio.
Estamos a viver à fartazana, não estamos? Comidinha não nos falta; louvado seja Deus e aos fiados; temos muito futebol, onde até se usam corruptos apitos dourados; demo-nos ao luxo de perdoar as dívidas a alguns países africanos e injectamos uns trocados noutros, sem qualquer exigência; democracia também não nos falta, senão eu não poderia estar aqui a dizer estas “bacoradas”; no entanto, devo dizer que até estava a precisar de um “hotel” à custa do contribuinte, pois já não sou de tenra idade e sinto mais necessidade de meditar do que de trabalhar. Mais agora, com o encerramento de Urgências Hospitalares, abaixamento da comparticipação medicamentosa, quinhão hoteleiro no alojamento hospitalar e nas intervenções bistúricas, subida de 6% na energia eléctrica, uma bicadazinha na H2O, “pequenino” ajustamento no preço dos inflamáveis provenientes do ouro negro, acerto previsto nas indústrias de panificação que ronda os 20%, subidazinha no preço dos transportes e irrisório aumento das reformas, confesso que, abrasiado como ando, tenho muito medo de andar à solta!?... O que acha V. Exa. deste meu pavor? Será por acaso esta pergunta inconveniente?... Ou pertinente?
Apesar de eu ser bastante “pessimista”, como pode verificar, tenho gostado das palavras sabiamente articuladas por V. Exa. e sei que são imbuídas de uma facundidade fora do normal, o que mostra ser um verdadeiro aldrete, cuja oratória é convincente na sua forma e, sem sombra de dúvida, apodíticas de uma boa governichação. E muito mais o serão, para aqueles que “sabem” o que é política, que não eu, e para todos os outros cuja miopia cerebral alterou a densidade intelectual da sua massa encefálica.
Sabe Sr. Primeiro-ministro, quando uma pessoa passa dos sessenta, aquela fasquia que muitos parvalhões intitulam de terceira idade, já não diz coisa com coisa; mas deixe-me lá desarrolhar o meu gargalo um bocadinho, porque entendo que já baixei as “calças” demais, e daqui a pouco...!
Até agora versei, suponho eu, sobre a parte socio-económica, desenfreada peste negra que está assolando impiedosamente os portugueses, sobretudo os mais desfavorecidos – o que lhes vale são as Bem-Aventuranças, mas que não dão comer a ninguém.
Sem me alongar demasiado, gostaria de dissertar somente um pouco sobre a parte unicamente social, começando pela segurança que não temos. Ah, pois não!?... V. Exa. não sabia? Então se à própria polícia não é concedido o poder de defender-se das agressões físicas e verbais de que muitas vezes é vítima, como pode ela defender-nos? Seria um contra-senso fazê-lo. Se o professorado é tão depreciado e desautorizado, como pode conceder uma cabal educação, quer científica quer cívica? Actualmente, eu não gostaria de ser professor, Sr. Primeiro-ministro! E sei que muitos o são, devido à carência que têm de um salário, porque por motivação, certamente que o ensino desertificaria e ficaríamos com uma superfície territorial pejada de camelos. Agora, devido à abastança de iliteracia no nosso país, já é permitido ou está em vias disso, o professor ser aquilatado por qualquer asino ou desensinado, que pode não dizer duas p’rá caixa, mas faz barulho… E por vezes vence. Sobre a justiça, não é necessário dizer nada, porque é cógnita a sua “indubitável” credibilidade e rectidão, isto é, quando não aparece nenhum “pedregulho” pelo caminho e os nossos são muito pedrosos, como certamente V. Exa. já se deve ter inteirado.
Olhe Sr. Primeiro-minisro José Sócrates; já deve estar fartinho de padecer ao ouvir o asneiredo deste velho ranhoso e iletrado, porém como ainda não ervilhei, não vou terminar sem antes sugerir uma coisa a V. Exa.: muito eu gostaria, que à semelhança do nosso rei D. Duarte de Bragança, mui entendido na arte de cavalear, que até escreveu um livro intitulado”Arte de Bem Cavalgar Toda a Sela”, V. Exa. escrevesse também um, que similarmente ficaria para a história, porém, que tivesse por título, “Arte de Bem Montar Todo o Asno”.
Não seria despropositado, pois não!? Eu penso que devia ser fantástico!


António Figueiredo e Silva
Coimbra