terça-feira, 9 de julho de 2013

O CORNETEIRO



O CORNETEIRO
de D. Afonso Henriques

O tocador de corneta é uma figura cuja origem se desintegra na penumbra temporal e apesar dos avanços da ciência não se consegue ainda determinar o seu nascedouro.
Sabemos que a corneta é um instrumento popular e etimologicamente confere a quem a toca, o nome de corneteiro.
Por princípio, os sons emitidos por este aerofone estão associados a um aviso ou a uma ordem, segundo o que antecipadamente se convenciona, em função do compasso e da variação da sua sonoridade e dos objectivos pretendidos.
Numa tarde de calmaria, quando o sol estava a ser lentamente engolido pelo horizonte e já o manto da noite ameaçava, enquanto um bando de pombas voejava espavorido, recusando-se a ser o jantar de um milhafre que as perseguia, sentados num banco de paragem dos autocarros, eu, minha mulher e um velho amigo nosso, garganteávamos dois dedos de amena cavaqueira para matar o tempo e dissipar os pensamentos negativos que a vigente crise nos inculca; como ele é “viciado” na criação e interpretação arabescos de partituras, naquele momento era mesmo sobre música que estávamos a palestrar, se bem que eu seja um podão no assunto acústico da harmonia. Limito-me a ouvi-lo e a absorver o que a minha modesta compreensão permite, introduzindo de vez em quando a minha “nota” de admiração ou curiosidade em função da sua tocata.
O maestro Tobias Cardoso, que em tempos passados regeu a Tuna da Universidade de Coimbra e foi professor no Conservatório de Música da mesma cidade, é um bom discursivo e um óptimo contador de histórias – já correu Mundo suficiente para isso. De facto é agradável auditá-lo, porque a sua voz é serena e parla piano, não ferindo os tímpanos a ninguém.
Acontece que a determinada altura da conversa, em que já não tagarelávamos de música mas da situação política cá instalada - não me recordo em que sequência - perguntou-me se alguma vez me havia contado a história d’O Corneteiro de D. Afonso Henriques. Como apresentei o meu absoluto desconhecimento sobre o caso, ele prontamente tratou de expor o argumento, de longa data conhecido por si; achei tanta piada à parábola, pelo seu encaixe com a realidade de hoje, que resolvi reproduzi-la.
No tempo da conquista do território português aos mouros, todos sabemos que uma das formas de pagamento existentes eram os saques, a pilhagem autorizada, onde as terras ficavam rapadas, as casas despojadas e as pessoas mortas ou cativas para serem leiloadas por uns trocos com vista à escravatura.
D. Afonso Henriques, para esse efeito, tinha um corneteiro que, segundo as suas ordens, quando acabava a batalha, fazia soar a corneta para os soldados darem início ao saque e voltava a tocá-la no momento de parar a pilhagem que, ao que parece, era cumprido sob tenaz controlo Afonsino.
Aconteceu que, na última batalha travada contra os “infiéis”, ao alarme dado pelo corneteiro, todos se lançaram ao assalto. Foi uma balbúrdia terrivelmente assustadora; não houve porco que ficasse no seu chiqueiro, arca com o seu grão, pipa com a sua pinga ou galinha no seu poleiro. Foi um saque de tal maneira aceso e bárbaro que nunca parou, mesmo quando a já terra varrida. Isto aconteceu porque o corneteiro não fez soar a corneta com objectivo de acabar o roubo; é que ele próprio também havia desaparecido.
O seu desaparecimento e o saque, de mãos dadas atravessaram toda a História de Portugal e ainda hoje, os portugueses, atormentados, continuam à procura do famoso corneteiro de D. Afonso Henriques.

António Figueiredo e Silva
Coimbra, 04/07/2013
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quinta-feira, 4 de julho de 2013

ABAIXO OS TOMATES




Uma conjuntura de resignação e ponderação,
 pode evitar um desastre colossal; um momento
 de euforia e obstinação, pode arruinar um país.


ABAIXO OS TOMATES


Sim… e agora?
Como se já não fosse satisfatória a angustiante poluição ambiental que tem vindo a envolver toda a organização política, económica e financeira portuguesas, deram imprevisivelmente à costa, alguns destroços provenientes de defeituoso patriotismo, que certamente vão contribuir com perigosa grandeza, para o afundamento do povo português, já farto de ser sacrificado em prol da incapacidade, corrupção, ladroeira e criminalidade, endemias que têm impunemente caboucado o sossego e a pacatez deste país.
Consecutivo à acção patriota Víctor Gaspar, que após ter posto tudo isto de cilha bem arrochada, abandonou a sua posição, vem também e agora o patriotíssimo Paulo Portas, quiçá vítima de uma teimosia latente, apanágio dos meninos de bem, (mimados) desferir o golpe de misericórdia no nosso elenco governamental que, apesar de todas as asneiras que tem feito, com toda a certeza que não teremos nenhum com melhor capacidade de liderança para outorgarmos os supremos desígnios da nacionalidade.
É evidente que não vou ilibar Passos Coelho, que meu ver também tem culpas no cartório, ao recheio azedo das minhas censuras, mas este (recheio) fica a aguardar a sua vez, na prateleira do arquivo vivo.
Os coiotes disfarçados já arreganham os dentes há muito tempo, num esforço luciférico de hospedar a desordem na manada, permitindo-lhes serem os senhores do rebanho - como já aconteceu – cujas consequências todos sabemos e hoje sentimos o seu amargo sabor.
No caso de haver eleições antecipadas, que é o mais certo, quais são as alternativas apresentadas pelo PS, PCP ou Bloco de Esquerda? Já não menciono outros partidozecos (se como tal se podem considerar) que só servem para ocupar os lugares, vezes sem fim virtuais, do hemiciclo parlamentar – onde os cortes na despesa deviam ter começado - e aumentar a lista dos ordenados chorudos a desembolsar do tesouro público e nada mais.
A ânsia de poder que atropela António José Seguro, a raiva ortodoxa marxista de Gerónimo de Sousa e a manhosice calculista de João Semêdo não conduzem a lado algum. Não são a alternância.
Vão ser estes os salvadores da situação caótica em que nos encontramos? Não creio.
Comparo a nossa orientação governativa à função de determinados componentes orgânicos durante um coito; os testículos; ora desorienta o esquerdo, ora desorienta o direito; se estiverem os dois de acordo, desorientam ambos; se um desaparece fica o outro a desorientar; se ambos desaparecerem, subsiste a impotência e o desânimo. É exactamente o que pode acontecer com o país; ou haverá novas opções ou todo o sistema entra em colapso. E eu não vislumbro alternância alguma.
O povo há uma série de anos que tem andado a ser enganado e sabe disso, contudo, não pode por si só alterar o curso das regras institucionalizadas mercê da sua tutela coerciva, por isso:
Abaixo os “tomates” e depois se verá.


António Figueiredo e Silva
Coimbra 03/07/2013
www.antoniofigueiredo.pt.vu




quarta-feira, 3 de julho de 2013

É SEMPRE A MESMA JORDA!



Para porcos cegos, o
Diabo apanha caroços.
(?)

É SEMPRE A MESMA JORDA!

Infalivelmente, nos tempos que antecipam uma campanha eleitoral, não há tréguas para eventos de manipulação catequista e arranjos de verborreia, na maior parte das vezes vazios de conteúdo, porém com um fim determinado; a subida gradual ao podium do artifício político, a velha vaca leiteira que a tantos “maternalmente” tem dado mama.
Arranjam-se sempre umas efemérides de meia-tigela que se materializam com a colmatagem de umas “crateras” numas estradas miseráveis, umas borradelas de cal nas paredes das latrinas públicas, com um alisamento de uns caminhos de cabras, há muito a criar erva, com promoção de umas salas de xuto, na criação de gratuitas comezainas que abafam a audição e diluem o senso analítico, etc. tudo serve para mostrar as fuças astuciosamente sorridentes, ceifar fitas e esgrimir uns discursos convincentes com o sentido voltado à captação do sufrágio. É que sem ele, o estatuto social pode ficar em causa, e, para alguns contendores, poderá não haver o benéfico acréscimo de papinha para a família, que até vem fazer um jeito dos diabos em época de crise, como a que actualmente nos persegue.
Alguns, mesmo em fanática dieta, são capazes de habilidosamente emborcarem umas ginjinhas, uns tintos de má colheita e mau paladar, infectados pela casse férrica, ou até mesmo uns bagacitos com metanol a mais, só para agradarem ao pagode e no fim, todos babosos, ouvirem dizer:
- É mesmo um gajo porreiro, pá! Bê-se qu’é dos nossos! Este bai ter o meu boto, carago!
É também nesta altura que podemos ver uma infinidade de trabalhecos a serem “executados” mal e porcamente mas com requintada rapidez, com principal incidência naqueles que por “apurado” desleixo têm vindo a dar nas vistas e dão o mote às mais variadas e satíricas criticas, que entre umas cervejas e uns copitos, alegremente esvoaçam no ambiente dos cafés e das tascas do burgo, libertadas sob etílica descontracção insuflada pelo deus Baco, velho no seu saber e com muitos anos de existência.
Apesar de todas as apreciações a favor ou contra, pregadas naqueles tabernáculos, a romaria continua, numa atmosfera de cerimoniosa compreensão e aquiescência, evitando o mais pequeno deslise que possa furar o fundo ao pretenso tacho.
No meio de todo o alvoroço da contenda, ainda subsistem alguns laparotos onde a vaidade lavra no campo da idiotice, que, fortemente apadroados por parolos verticalmente espetados no meio social somente por parafusos materialistas, não passam de um sacrifício aos deuses já enraizados e bem grudados nas trincheiras ziguezagueantes da política.
É sempre a mesma jorda! Porém, há sempre um sacristão, um desgraçado, um imolado para ajudar à missa.
O povo que se cuide; se está menos bem, que se deixe estar, porque a seguir virá pior.

António Figueiredo e Silva
Coimbra 02/07/2013
www.antoniofigueiredo.pt.vu