terça-feira, 10 de dezembro de 2013

TRASFEGA





                                      Quando o governante é indulgente,
o povo é virtuoso. Quando o governante
 é rigoroso, o povo prevarica.
(Lao Tsé)

TRASFEGA

Feita a decantação do poema subsequente, bem podemos aplicar transversalmente o seu “metafórico” sentido à realidade dos dias hoje; também estamos a ser espremidos, lentamente mas com requinte, como vulgares citrinos humanos, pelo manejo da tarraxa concretizado por figuras cuja credibilidade peca, por ser pouco credível. Vamos penosamente aguentando até que a exaustão se sobreponha às nossas forças ou até que, ao vermos tudo perdido, a coragem se fortaleça e nos leve a reagir com indomada frontalidade. O aperto normativo criado por esses “senhores” é que vem obrigando os seus súbditos à prestação de uma vassalagem compulsiva, não sendo no entanto a aplicação da lei igual para todos.
Já lá vão quarenta e quatro anos desde que este versejador esculpiu na sensibilidade do seu interior, o retrato de uma realidade (naquele tempo) e a trouxe a público! Apesar da sua vetustez – não tem nada a ver com reavaliação de imóveis – traça perfeitamente os desígnios que ciliciam os portugueses na época presente, onde os trapaceiros navegam à vontade e com alguma sagacidade vão vencendo a ondulação da incompetência coroada pela redoma da invulnerabilidade. É neste universo amniótico que, façam as trafulhices que fizerem, criem as asneiras que criarem, saem sempre impunes, como deuses baratos, porém com os alforges recheados de “sangue da manada”, “refugiando-se” depois, para digerir o repasto, em outros poleiros mais bem pagos, erigidos por baixo da sombra da imunidade. 

Sonêto quase inédito

 Surge Janeiro frio e pardacento,
 Descem da serra os lobos ao povoado;
 Assentam-se os fantoches em São Bento
 E o Decreto da fome é publicado.

 Edita-se a novela do Orçamento;
 Cresce a miséria ao povo amordaçado;
 Mas os biltres do novo parlamento
 Usufruem seis contos de ordenado.

 E enquanto à fome o povo se estiola,
 Certo santo pupilo de Loyola,
 Mistura de judeu e de vilão,

 Também faz o pequeno "sacrifício"
 De trinta contos - só! - por seu ofício
 Receber, a bem dele... e da nação.


 De: JOSÉ RÉGIO

 (Soneto escrito em 1969, no dia de uma reunião de antigos alunos)


…E tem o povo muita razão, ao dizer que a História se repete.


António Figueiredo e Silva
Coimbra, 09/12/2013
www.antoniofigueiredo.pt.vu





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