quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

IRRESPIRÁVEL






“A maior miséria da vida humana (outros dirão outra),
eu digo que é não haver neste mundo de quem fiar”.
                                                (Padre Antônio Vieira)                      

IRRESPIRÁVEL


Sempre que alguma conversação nasça em encontros furtuitos no nosso dia-a-dia, como que por arte do destino, surge sempre, a tomar o maior quinhão da prosa e a finalizar a mesma, não o fantasma, mas a realidade da crise por ineficiência governativa, nossa velha conhecida; desconhecemos no entanto, no entanto é a maneira de a solver.

No meio de toda a revolta a que ela dá origem, aparecem sempre figuras de boa catadura que, não obstante o seu sofrimento, ainda possuem alento para albardarem a resignação ainda que com contida revolta.

Dizem uns, “temos que viver um dia de cada vez”, como se o ser humano só tivesse começado a existir naquele momento, porém, o que ele tem vindo a fazer através dos tempos, tem sido precisamente isso – e continuará.
Outros, mais perseverantes, “paciência, temos que ter esperança”, e esquecem-se que muitos passaram para a outra margem no desespêro de longamente terem esperado. A espectação alimenta o espírito, é verdade, mas com o passar do tempo corrói o físico e acabam ambos por perecer.
Alguns, com o semblante triste, olhos abertos mas sem objectivo focal, - pode ver-se que estão em aflição – “isto está muito mau”! - E está.

Não é raridade aparecer alguém a argumentar, que o filho, casado, desempregado mai’la mulher, seguindo a história do filho pródigo, estão a comungar das parcas reformas dos pais, que pelo menos lhes garantem uma sopa quente, até que apareça trabalho ou para lentamente apodrecerem no marasmo, a matar moscas e a coçar os dedos dos pés.

Também é frequente ouvir lamentos aflitivos, daqueles que talharam uma vida regrada à feição dos seus proventos e agora, “por não termos trabalho, vamos entregar a casa ao banco”. Deve ser muito triste!

Ouço várias vezes, “eu era pr’a ir ao sr. doutor, mas o dinheirito da taxa moderadora faz-me muita falta! Olhe, cá vou andando até quando Deus quiser” – felizmente que Deus tem umas costas muito largas.
“Desculpe que não estava a conhecê-lo; sabe, eu vejo muito mal, parti os meus óculos e de momento não disponho de dinheiro para uns novos, são muito caros. Esta crise não nos larga” – ai não, não e venha quem vier.

Por diversas ocasiões quando me encontro no interior da botica, “olhe, hoje não vou levar o medicamento tal ou tal p´ró coração, porque não posso; talvez no fim do mês” – também é uma maneira airosa de, com “calma, ir cooperando para a aceleração do seu mortório, e, desta forma “filantrópica”, contribuir para reduzir a despesa do Estado.

Também já é usual faltarem determinados medicamentos nas nossas farmácias que, com o garrote apertado, qualquer dia a maior parte encerrará; mas isto pode resolve-se através de um licenciamento had oc para venda de medicamentos nas mercearias do bairro.

O que se nos apresenta pelas reacções dos portugueses, não é fatalismo, porém uma realidade cuja dureza lhes macera o corpo e o espírito e que tão cedo não será extinta; já ninguém confia em ninguém, nem crê na capacidade governativa; o Estado deixou de ser a pessoa bem que devia ser.

Estamos num país que está a tornar-se IRRESPIRÁVEL.

António Figueiredo e Silva
Coimbra, 01/01/2014
www.antoniofigueiredo.pt.vu

Obs: Para começar o ano, não é mau.




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