sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

COMO GOSTARIA...





COMO GOSTARIA…

…de ter sido eu a dizer isto, mas não aconteceu.

Reconheço no entanto, que os presságios deste homem culminaram com a sua materialização e sinto quão cáustica deve ter sido a sua amargura quando ele, num momento de reflecção bastante amadurecida, os fez chegar aos portugueses, quando estes se encontravam embriagados sob os vapores da euforia que lhes turvava a visão futurista da realidade, decorrente do bloqueio meditativo. Considero que foi um sermão aos peixinhos; é por isso que agora, no mundo português se vive uma crise bem sentida, que afecta todas as horizontalidades, desde a material à intelectual.
Nunca arrisquei tudo numa cartada de olhos cerrados, como se tivesse convicção absoluta na sorte. Não, isso nunca fiz nem tenciono fazer; no entanto, com 99,9% de certeza, aventuro a proferir que se fosse possível executar as apreciações que esta noite minaram a minha imaginação, iríamos ficar a pau-de-pírulas, no que respeita a candidatos para o próximo acto eleitoral, donde se depreende que poderemos ficar sem comando e sem governação.
Sei muito bem que para atingir a competência, já não digo absoluta, porém suficiente, é fundamental que existam degraus a vencer; estes devem passar por uma rampa de burilagem e aferição das capacidades de cada um para o efeito pretendido; todo o “tapete-rolante” científico devia ser ministrado só por Mestres, também cientificamente bem formados a todos os níveis e de maneiras de ser absolutamente impenetráveis aos caprichos, compadrios e cunhas de qualquer género, apostados apenas na limagem e polimento de cérebros com prometedoras capacidades analíticas e não gastarem o seu tempo a limar calhaus rombudos e amorfos, onde nem os métodos da mais pura alquimia têm possibilidade de penetrar. A chancela genética é infalível; é por isso fundamental um conhecimento laminar, para escolher os melhores e os mais capazes de nos proporcionar um futuro agradável.   
Se alguma coisa tem corrido mais mal após a entrada da “nova democracia” com o borbulhar do 25 de Abril, não por culpa de quem ensina, mas pelo florescimento de novas regras que mudaram a sua estrutura, foi o ensino; com a criação de adolescentes regulamentos tendentes à sua facilidade, emergiram uma série se condicionantes que lhe afectaram a sua qualidade no que respeita aos vectores científicos e cívicos. Disto não tenho eu qualquer dúvida e os resultados, actualmente estão à vista.
Ora, se a formação de um país começa no ensino e este é deficiente, como havemos de ser bem administrados?
Que a falta de capacidade existe, é uma evidência; só que esta proclama-se detentora do poder absoluto e cria regulamentos, muitos deles em riba dos joelhos, tendentes a criar à sua volta uma auto-imunização serrada com resultados catastróficos, onde não sobejam culpados.
 Se actualmente pudéssemos obrigar todos os candidatos a cargos governativos fazerem provas de aferição, seriam tão poucos os que conseguiam vencer o teste, que ficaríamos sem (des) governo.
Marcelo Caetano tinha razão.
E eu também!

António Figueiredo e Silva
Coimbra, 20/02/2015
Ou:
www.antoniofsilva.blogspot.com

domingo, 1 de fevereiro de 2015

AS MINHAS BOTAS?





Se algum dia te roubarem as “botas”,
já sabes; vais passar a andar descalço.
(Ah, pois!)


       AS MINHAS BOTAS?
(Histórias do cotidiano)

Protestava o cliente a João Caramujo, sapateiro afamado por aquelas bandas, que, nos dizeres da populaça, era um especialista em manobrar com destreza o fio mai´las cerdas de porco barrasco enliçadas, que serviam de guia; com uma lentidão que lhe era distinta, ia enfiando milímetro a milímetro o conjunto, pelo buraco fininho aberto pela sovela; exercício feito com alguma dificuldade no couro que era duro de roer, de tão causticado que estava pelo tempo e pelo tanino utilizado na sua curtidura.
O freguês, conhecido por “Socas ou Pardalão”, era um “moço”, um lindo menino, maduro, de boa aparência, cabelo pedrês, face rosada e olhar vivo, ar de refilão adornado por uma lábia convincente, que há pouco tempo apareceu ali na terra, caído céu; ao que parece imigrado da estranja, e segundo corria, arranjaram-lhe trabalho a tempo inteiro numa instituição pública de bem-fazer, direccionada para a ortopedia correccional da ossatura social, cuja actividade era regida - por estatutos, onde severidade, apesar de racional, era “implacável” – parece que ainda hoje assim é.
Este trabalhador muito devoto à sua missão, na total impossibilidade de se poder ausentar do serviço por beatífico espírito de sacrifício, afeição e consagração ao mesmo, recorre ao Ti João Caramujo, solicitando a sua ajuda para farejar e colocar tudo em pratos limpos. Pesasse embora a sua figura abarrilada, encimada uma expressão de estampada manhosice e um cunho carente de oratória, era uma figura bem estimada lá no burgo, sendo por isso, a pessoa mais indicada para seu representante, na descoberta do autor do “roubo” – sem que até hoje nada haja conseguido - e consequente reivindicação das botas de estimação que lhe haviam sido oferecidas e posteriormente “surripiadas”– sabe-se lá por quem - não à margem da lei, porém, poder-se-ia considerar, contrariamente à moral, mas lei é lei; apesar de uma ser baseada na outra, várias vezes há alguma desafinação entre si.
Na altura, a “desaparição” das botifarras em causa foi um acontecimento trepou de vento-em-popa a rampa “inclinada” que as levou à fama. Estas foram alvo de contestação por puritanos, de chacota pelos espíritos mais brejeiros, de luta entre coleccionadores e do falatório opinativo mais diverso, arrotado por criaturas notáveis em palpites, sob a orientação de dois ou três copos de zurrapa – tinto ou branco, pouco interessava - cujo objectivo era, porque é que o ladrão não dá as botas ao homem? Ou então, porque é que o trabalhador da instituição, tanto reclama as botas, compadri?
A conclusão foi que, mesmo com o empenho do Ti João Caramujo, até hoje as botas não lhe foram retribuídas, mas também, nunca foram esquecidas.
Foi um par de botas que ficou para a história, por razões ainda por apurar, mas certamente divergentes às das botas também muito apregoadas, de António de Oliveira Salazar – se ainda se recordam.
Foi tão aborrecível o que aconteceu, que ainda hoje, o fantasma do “Pardalão” com o beneplácito do Ti João Caramujo, continua a fazer eco nas memórias mais sensíveis, alto e em bom som:
- AS MINHAS BOOOOTAS? Poooooorraaa!

António Figueiredo e Silva
Coimbra, 30/01/2015
ou:
www.antoniofsilva.blogspot.pt