quinta-feira, 26 de março de 2015

PEIXE GRAÚDO NÃO É PETINGA



Quanto maior o número de leis,
maior será a injustiça.
(Lao tzé)

PEIXE-GRAÚDO NÃO É PETINGA

Num Portugal deprimido, com os cofres repletos de ar e a cheirar a mofo, que sente vontade em levantar a crista mas os credores não deixam, ainda nos nossos dias aparece uma obstinada figura que, à semelhança de Deu-la-deu Martins, tenta transmitir aos nossos “amigos” troikanos e também aos portugueses, que ainda temos “pão” para dar e vender”!
Muito gostaria eu de acreditar nisso, e certamente também os que do exterior nos manipulam os cordelinhos da governação sob determinado enrijamento que obstinam em não abrandar.
Quem tem o poder aurífero é peixe-graúdo e esse não morde o anzol; engole-o, sacode as barbatanas, caga no pescador e desanda.
Por isso, não é com palavras de esperança, mesmo que ela exista, que se enchem os gritantes estômagos vazios dos desventurados a quem a crise não se coibiu de lhes bater à porta. Enquanto ela serpenteia por entre exércitos de desgraçados famintos, que vão sobrevivendo com algumas migalhas que para o peixe-graúdo não têm préstimo, é irrisório que ainda apareça alguém com ânimo para discursar palavras de alento, nas quais não sinto fundamento algum.
A ser verdade, porque é que “cardumes petingas” dormem ao relento, à borda dos passeios, debaixo de pontes, nos bancos dos jardins ou em miseráveis barracos onde a salubridade está proibida de entrar, enroscadas como ouriços-cacheiros para se protegerem do frio, ou esticados como salpicões ao fumeiro para aliviarem o calor do verão, enquanto o peixe-graúdo se delicia com tudo o que mais lhe oferece deleite e cujos privilégios, ao que parece, são decorrentes de açambarcamentos indecorosos que enchem o terreno da dúvida, ainda por acabar de lavrar? Neste “latifúndio”, grande vai ser a azáfama para o desbravamento da verdade. Mas…
Se as arcas estão cheias, guindem os desprotegidos da miséria; se o peixe-graúdo é dono de um oceano numismático e se for provado que foi arranjado à custa de meios fraudulentos, que se aplique o confisco aos seus haveres e que sejam aplicados com ética e ponderação no alívio dos mais necessitados em Portugal.
Lamento muito mas vaticino que isto não vai acontecer! Primeiro porque os cofres aparentam estar cheios de depauperação, por onde descontraidamente passeiam algumas baratas e peixinhos de prata, dando cabo dos títulos envelhecidos pelo tempo; segundo porque a protecção aplicada ao peixe-graúdo, não é a mesma que a destinada à petinga; o peixe-graúdo tem poder para comprar a sua invulnerabilidade e até, a sua honra, mesmo que ele tenha sido justamente maculada.
Por analogia, ainda que possa ser imperfeita. está a passa-se o que se passou do reinado de D. José I, apenas com uma diferença… falta o Sabastião Zé de Carvalho e Melo, mais conhecido por Marquês de Pombal, para urdir as malhas das redes e fazer uma limpeza “oceanográfica” territorial.
É verdade.
E coragem para isso?
Peixe-graúdo não é petinga, não!? Põe muito poleiro a abanar.

António Figueiredo e Silva
Coimbra, 25/03/2015
CRÓNICAS DE UM CRÓNICO

      

quarta-feira, 25 de março de 2015

PERTURBAÇÃO "COLECTIVA"



Se tu não consegues entender o meu silêncio,
de nada irão adiantar as palavras;
pois é no silêncio das minhas palavras
que estão os meus maiores sentimentos.

PERTURBAÇÃO “COLECTIVA”
(Dissertação)

"A expressão de ouvir o silêncio".
Sempre existiu no Mundo a perturbação de valores em todas as épocas e lugares; só que, esta crise tem vindo a avolumar-se perigosamente, afectando o estado comportamental das pessoas, alterando a sua maneira de reflectir e de actuar. Elas perdem a sua vontade própria com a desfiguração da sua conjuntura ética, que muitas vezes as leva a um desprezo por si próprias e até pelos seus semelhantes, onde podem encontrar-se envolvidos também os seus ideais afectivos; daí, podem resultar fragmentações, cujas consequências têm grandes possibilidades de atingir um estado catastrófico, com consequências pouco desejáveis que podem ter resultados nocivos para elas próprias e não só; também para quem as rodeia.
As pessoas vivem uma vida assediada de forte prensagem psicológica, e, em muitos casos, não conseguem atenuar a pressão a que estão submetidas, implicando que esta condição de cansaço, mercê de um pequeno empurrão, as faça vacilar pelo caminho incerto e subtilmente são auto-coagindas a “entender” que é a via mais certa, quando no seu ego a sensação é sobejamente contraditória. Sem darem por isso, enveredam por decisões que, ainda que tomadas de livre vontade, são imanentes de uma vontade própria minada por um egoísmo doentio.
Existe aqui uma conturbação psicológica que na maior parte das vezes, nem as pessoas “infectadas” conseguem explicar. As que tentam o “sucesso de conseguir”, apenas consertam com inteligente argumentação, um estado de espírito que elas próprias sabem não estar cabalmente dentro dos fundamentos, ainda que com extrema habilidade manejados, cuja denúncia interiormente sentida é estampada na sua expressão facial e outros atributos pertencentes à linguagem gestual, que eu teimo em considerar serem os reflexos da alma.
Consagrei muito tempo da minha existência à observação do ser humano, prática e teoricamente; obtive conclusões dissemelhantes que hoje, quando analiso alguém, friamente confrontando as palavras com os factos, concluo que a minha margem de equívoco, apesar de não ser absoluta, tem sido desdenhável.
O acentuado disfarce usado por grande parte das pessoas da comunidade em que vivemos, para empalmar as suas “desordens” interiores é uma circunstância que sobejamente todos sabemos.
Aprendi mais a ouvir com mais atenção o silêncio das pessoas, do que o que elas verbalmente expõem; o barulho do silêncio no meio das palavras é mais ensurdecedor, quando as palavras não têm eco e atravessam os tímpanos sem os fazer vibrar.
O que estou para aqui a versar não é para ser entendido como se eu me esteja a referir ao silêncio no seu absoluto contexto!? Não… é àquele silêncio que envolve as palavras com que nos querem fazer de néscios, e que nós, por delicadeza ou com a intenção de ajudar, fingimos acreditar – mas isto não só é necessário, como conveniente; é também àquele silêncio que fica pelo meio de uma articulação sonora cuja rudeza e conteúdo são meras sobras de deitar fora.
Devemos por isso de ter muita atenção ao silêncio que com alguma parte vocabular entremeada nos mostra ao que chegou a perturbação colectiva da actual sociedade, e, vezes sem fim, leva as pessoas a construírem o que não devem, mesmo quando o seu ego fala mais alto.
E, para quem padece desta obsessão, que tenha sempre em mente que poderá existir uma factura a pagar: o sentimento de culpa, mais conhecido por remorso, é difícil de transportar pelo resto da vida naqueles que lutaram contra o seu “eu”, quando “autorizaram” que a desordem se tivesse instalado no seu ser, minando e destruindo a sua vontade própria.
Por isso assevero: a perturbação “colectiva” é um facto e não uma falácia.

António Figueiredo e Silva
Coimbra, 24/03/2015
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segunda-feira, 23 de março de 2015

VIP´s



 
    

                                           VIP’s (Very Important Pigs)
(Fábula)

Gravura de, "O motim dos dos suinos desrespeitados".
Bem, esta cena passou-se naquele tempo! No tempo em que os animais falavam; posteriormente, esta particularidade foi arrebatada pelo homem, que dela se tem servido para os mais escabrosos fins, inclusive o de se prejudicar a si próprio. Não quero com isto dizer que os porcos hoje não falem!? Por entre nervosos e estridentes grunhidos de revolta caldeados com roncos de amém ou “põe-te à tabela que já me estás a cheirar mal”, eles tagarelam, nós é que não os percebemos patavina; acostumámo-nos a outras maneiras de roncar. 
Mas, adiante c’o andor.
A fabulação que vai seguir-se passa-se dentro de um cortelho, chiqueiro, curral ou corte, consoante a gíria usada nos diversos lugares confinados à área portuguesa.
Há muitos anos era generalizado que num característico curral de porcos, toda a vivência em comunidade obedecia a uma hierarquia rígida comandada pelo porco cobridor ou barrasco, coadjuvado por mais uns tantos suínos que lhe prestavam subordinação e que entre si também se iam cobrindo e encobrindo sob uma específica manha suína, para aproveitar os melhores bocados de abóbora e batatas que caíam na pia; esta, uma verdadeira obra de arte e paciência, cinzelada em duro granito ou ardósia, consoante a constituição geológica do lugar, ou ainda em madeira toscamente aparelhada. P’ra porcos, servia.
O porco grande e os seus comparsas mais aproximados, com rabo torcido, encostavam o corpanzil uns aos outros fazendo uma cerrada vedação circular ou em linha, não consentindo que os mais fracotes da vara, tivessem acesso visual ao que eles comiam; podemos considerar que havia uma lista de crédito privilegiado da porcaria, que implicava no escamoteio propositado das malandrices feitas pelos porcos mais importantes do chiqueiro, cujo conteúdo era vedado aos suínos em que a sua posição era considerada de mais baixo nível, o que era prova de que não havia uma igualdade de deveres e direitos concernentes a todos os elementos da porcaria. Este sistema ditatorial passava-se em todos os chiqueiros do território porqueiro.
Bastava sair da gorja dos VIP’s um ronco mais troante, para que o silêncio tomasse conta das pocilgas. Se algum suíno se atrevesse a levantar o véu do sigilo, era-lhe logo levantado um procedimento disciplinar que culminaria com a consequente instrução de um processo-crime fundamentado em coscuvilhice porqueira agravada.
Sucedeu que, alguns indivíduos mais curiosos e mais argutos dos curros, começaram a ficar indignados com os estatutos que sigilosamente a elite porqueira (VIP) estabelecera entre si, com o fim de se abotoar com os melhores bocados, tendo para isso, recorrido abusivamente a estatutos especiais para sua protecção, em danificação da maioria dos elementos das varas.
Pela sorrelfa, fizeram passar uma notícia a todos os chiqueiros nacionais do seu país, dirigida aos porcos revoltosos e mais afoitos, onde era pedida a sua colaboração para a investigação da verdade sobre o benefício VIP, pois já estavam fartos de se alimentarem só de água com algumas cascas de batatas com parcas fibras à mistura. As bolotas não lhes chegavam ao focinho. Queriam saber até onde ia a igualdade de direitos e deveres, tão apregoados pelos porcos barrascos e seus “associados” - aqueles que eram considerados os VIP’s das pocilgas.
O certo é que as investigações pariram verdades até então escondidas que, quando saíram em pasquins como, “A PORCARIA”, “SUÍNOS SOMOS NÓS”, “A FOCINHEIRA” e também no diário da ala esquerda mais radical, “ABAIXO OS ENCHIDOS” e em outros da mesma laia, deram um resultado bombástico em que os senhores das varas – VIP´s - foram obrigados a reconhecer o seu “equívoco”, ao que parece, com a criação de mecanismos – pelo menos aparentes – para repor a igualdade entre os cidadãos constituintes de toda a sociedade porqueira.
Foi uma alegria!
E em todas as pocilgas territoriais se ouvia em uníssono, entre vozes irritadas, grunhidos e roncos de triunfo, abaixo os VIP’s (Very Importante Pig’s)! Abaixo os VIP’s! Abaixo os VIP’s!
E, numa berraria porqueira ensurdecedora, com os rabos em parafuso e orelhas hirtas, berravam:
 Aos Porcos o que é dos Porcos! Igualdade e rectidão! Ou comem todos por igual, ou não come ninguém.
Victória! Victória! Victória!
Ao que parece as coisas amainaram, contudo, os que sempre chafurdaram na estrumeira, continuaram a chafurdar. Nervosamente rilhando a sua sorte na esperança de que um dia as coisas mudem mesmo, e a “faca” dos VIP’s deixe de ser uma ameaça certeira à sua liberdade suína dentro das pocilgas.

FIM

António Figueiredo e Silva
21/03/2015
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