segunda-feira, 23 de março de 2015

VIP´s



 
    

                                           VIP’s (Very Important Pigs)
(Fábula)

Gravura de, "O motim dos dos suinos desrespeitados".
Bem, esta cena passou-se naquele tempo! No tempo em que os animais falavam; posteriormente, esta particularidade foi arrebatada pelo homem, que dela se tem servido para os mais escabrosos fins, inclusive o de se prejudicar a si próprio. Não quero com isto dizer que os porcos hoje não falem!? Por entre nervosos e estridentes grunhidos de revolta caldeados com roncos de amém ou “põe-te à tabela que já me estás a cheirar mal”, eles tagarelam, nós é que não os percebemos patavina; acostumámo-nos a outras maneiras de roncar. 
Mas, adiante c’o andor.
A fabulação que vai seguir-se passa-se dentro de um cortelho, chiqueiro, curral ou corte, consoante a gíria usada nos diversos lugares confinados à área portuguesa.
Há muitos anos era generalizado que num característico curral de porcos, toda a vivência em comunidade obedecia a uma hierarquia rígida comandada pelo porco cobridor ou barrasco, coadjuvado por mais uns tantos suínos que lhe prestavam subordinação e que entre si também se iam cobrindo e encobrindo sob uma específica manha suína, para aproveitar os melhores bocados de abóbora e batatas que caíam na pia; esta, uma verdadeira obra de arte e paciência, cinzelada em duro granito ou ardósia, consoante a constituição geológica do lugar, ou ainda em madeira toscamente aparelhada. P’ra porcos, servia.
O porco grande e os seus comparsas mais aproximados, com rabo torcido, encostavam o corpanzil uns aos outros fazendo uma cerrada vedação circular ou em linha, não consentindo que os mais fracotes da vara, tivessem acesso visual ao que eles comiam; podemos considerar que havia uma lista de crédito privilegiado da porcaria, que implicava no escamoteio propositado das malandrices feitas pelos porcos mais importantes do chiqueiro, cujo conteúdo era vedado aos suínos em que a sua posição era considerada de mais baixo nível, o que era prova de que não havia uma igualdade de deveres e direitos concernentes a todos os elementos da porcaria. Este sistema ditatorial passava-se em todos os chiqueiros do território porqueiro.
Bastava sair da gorja dos VIP’s um ronco mais troante, para que o silêncio tomasse conta das pocilgas. Se algum suíno se atrevesse a levantar o véu do sigilo, era-lhe logo levantado um procedimento disciplinar que culminaria com a consequente instrução de um processo-crime fundamentado em coscuvilhice porqueira agravada.
Sucedeu que, alguns indivíduos mais curiosos e mais argutos dos curros, começaram a ficar indignados com os estatutos que sigilosamente a elite porqueira (VIP) estabelecera entre si, com o fim de se abotoar com os melhores bocados, tendo para isso, recorrido abusivamente a estatutos especiais para sua protecção, em danificação da maioria dos elementos das varas.
Pela sorrelfa, fizeram passar uma notícia a todos os chiqueiros nacionais do seu país, dirigida aos porcos revoltosos e mais afoitos, onde era pedida a sua colaboração para a investigação da verdade sobre o benefício VIP, pois já estavam fartos de se alimentarem só de água com algumas cascas de batatas com parcas fibras à mistura. As bolotas não lhes chegavam ao focinho. Queriam saber até onde ia a igualdade de direitos e deveres, tão apregoados pelos porcos barrascos e seus “associados” - aqueles que eram considerados os VIP’s das pocilgas.
O certo é que as investigações pariram verdades até então escondidas que, quando saíram em pasquins como, “A PORCARIA”, “SUÍNOS SOMOS NÓS”, “A FOCINHEIRA” e também no diário da ala esquerda mais radical, “ABAIXO OS ENCHIDOS” e em outros da mesma laia, deram um resultado bombástico em que os senhores das varas – VIP´s - foram obrigados a reconhecer o seu “equívoco”, ao que parece, com a criação de mecanismos – pelo menos aparentes – para repor a igualdade entre os cidadãos constituintes de toda a sociedade porqueira.
Foi uma alegria!
E em todas as pocilgas territoriais se ouvia em uníssono, entre vozes irritadas, grunhidos e roncos de triunfo, abaixo os VIP’s (Very Importante Pig’s)! Abaixo os VIP’s! Abaixo os VIP’s!
E, numa berraria porqueira ensurdecedora, com os rabos em parafuso e orelhas hirtas, berravam:
 Aos Porcos o que é dos Porcos! Igualdade e rectidão! Ou comem todos por igual, ou não come ninguém.
Victória! Victória! Victória!
Ao que parece as coisas amainaram, contudo, os que sempre chafurdaram na estrumeira, continuaram a chafurdar. Nervosamente rilhando a sua sorte na esperança de que um dia as coisas mudem mesmo, e a “faca” dos VIP’s deixe de ser uma ameaça certeira à sua liberdade suína dentro das pocilgas.

FIM

António Figueiredo e Silva
21/03/2015
Blog:
ou:
CRÓNICAS DE UM CRÓNICO   
     

Sem comentários:

Enviar um comentário