segunda-feira, 25 de abril de 2016

O MEU SÓCIO COMPULSIVO

O mais corrupto dos Estados
 tem o maior número de leis.
Tácito


O MEU SÓCIO COMPULSIVO
O tempo que medeia entre o início da minha atribulada visita a este mundo e o momento em que me encontro, tenho a dizer que durante este percurso, houve dias maus em que o frenesim fazia o corpo tremer até entorpecer a alma, e dias bons, porém em menos quantidade, em que a euforia, por vezes desmedida, procurava sanar as feridas dos dias aziagos que foram em maior número; a saltar de pedra em pedra para não bater com eles na lama, cá me vim equilibrando durante todo este tempo, que no momento conclui a “bonita” soma (aproximada) de 26.299 dias da minha existência; sim, porque dou conta de que ainda existo, quando não, neste momento não estaria p’ráqui a teclar estas baboseiras, talvez entendíveis, para entreter o pagode e aliviar a tensão reactiva que existe dentro de mim.
Apesar de ter comido pão que o Diabo amassou, e com tenacidade ter conseguido afogar os infortúnios nas oportunidades boas que a Natureza me concedeu, sempre alimentei uma ideia de autonomia, que agora verifico ter sido transitória, digna de um tolo, de um indivíduo com falta de miolos.
Fiz de tudo na vida, seguindo no entanto, as mais elementares configurações de civismo, sem nunca me deixar levar em cantigas, procurando manter sempre, segundo o alcance da minha visão, o que se afigurava ser uma credível independência.
O decorrer da vida foi cavalgando no lombo do tempo sem eu dar por ela, e, sem me ter apercebido, dei comigo no patamar da lucidez onde a ficção já não tem figura; neste horizonte os factos funcionam de maneira diferente e a pesagem dos problemas é feita com laminar cautela. Aqui, ainda que tardiamente, descubro com frustrante resignação e revolta, que realmente nunca gozei de emancipação absoluta; houve sempre a existência de um parceiro, que, não por minha vontade mas por imposição de circunstâncias inerentes ao foro social, se encostou a mim como uma rémora sofregamente a chupar-me o suor e algumas migalhas. Em princípio ainda pensei que o sócio era uma pessoa de bem, mas agora sinto-me decepcionado e ao mesmo tempo, revoltado.
Este sócio, que não tem cara, aos poucos tem arruinado a minha independência, por se imiscuir sem escrúpulos e de forma abrasiva nas benesses que eu devia usufruir, obtidas por uma vida de trabalho, para gozar de uma existência digna. Nada disso tem acontecido. Este meu sócio, vem actuando a coberto da capa de uma democracia fingida, por baixo da qual saliva e arreganha os dentes uma ditadura esclavagista sob a qual tenho vivido muito tempo na dúvida da sua existência. Agora percebo que a democracia desse meu parceiro é falsa e a ditadura não é para todos, sendo porém uma endemia que ataca os mais franzinos.
Este meu quinhoeiro obrigatório sem rosto nem moral, que tem permitido todo o género de falcatruas e injustiças, é composto na sua maioria por figuras que nunca sentiram o aperto das grilhetas decorrentes das agruras da vida, e por isso, não valorizam o sacrifício; são doentiamente amantes da riqueza e do luxo, que fazem questão mórbida de ostentar perante a submissão de milhões de escravos, vergados sob a pressão de regulamentos feudalmente decretados e protegidos pelo fantasma da coacção.

Este meu sócio compulsivo, chama-se, Estado. A principal fonte das minhas dores de cabeça – e de todos nós.

António Figueiredo e Silva
Coimbra, 24/04/2016
ou:
www.antoniofigeiredo.pt.vu     
     


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