terça-feira, 5 de abril de 2016

"SONOGRAFIA" (A música e a escrita)

“SONOGRAFIA”
(A música e a escrita)


Ambas desfrutam de uma homogenia peculiar que pode transformar o seu resultado final num sentimento delicioso ou irritativo, socorrendo-se apenas dos predicados que lhe são por um lado limitados, contudo, por outro lado, a sua limitação é infinita; esta incomensurabilidade apenas está dependente de quem urde a palavra escrita ou dispõe os sons nas partituras.
Os oito sons que nos fazem vibrar as membranas timpânicas, e apenas oito, podem transportar o nosso espírito para uma dimensão transcendental, incutir-nos coragem guerreira e empurrar-nos para a luta, levar-nos ao êxtase ou tornar-nos condescendentes e mélicos.
No manancial alfabético, composto de vinte e quatro símbolos com os quais podemos formar palavras, da mesma forma que a música, estas podem ser de carácter agreste, benévolo, maldoso ou metafórico, onde a polissemia pode querer dizer, nem sempre tudo, nem sempre nada, mas certamente alguma coisa, entendida por uns e desentendida por outros.
Como o compositor na disposição dos sons musicais, o criador da ordenação gráfica tem a capacidade, se souber, de submeter o leitor, sem grande esforço, a beber das suas ideias com incrível satisfação, comungando ou não das mesmas, mas apenas pelo prazer da leitura, seja ela suave ou agressiva.
Tanto na escrita como na música, o ser humano expressa o que lhe vai na alma em determinado momento da sua vivência. Nos retalhos temporais que constituem as pautas da vida, ele pode regurgitar o sentimento do seu ego, e, de uma forma ou de outra, conduzi-lo ao interior de quem o ouve ou lê.
Um simples sustenido mal colocado pode turvar a harmonia de uma ária, assim como uma palavra, não digo no lugar errado, mas entrelaçada de outra forma, pode transfigurar um parágrafo no seu todo.
Há pois nestas duas vertentes, uma componente comum que é a sua manipulação, dependendo esta, da espiritualidade e sensibilidade do criador, cuja virtude não se compra, mas vem embutida nos genes e é a Natureza que se encarrega de privilegiar alguns; porém, dada a sua supremacia pela diversidade, nem todos tocam, falam ou articulam com a mesma habilidade, não excluindo contudo a relação entre estas duas artes que, embora dissemelhantes, mitigam a sede na mesma fonte; a fonte cósmica, onde o enigma da Criação preserva os seus mistérios hermética e indefinidamente cerrados que só uns quantos bem-aventurados conseguem ter acesso. Estes privilegiados não morrem, porque deixam o seu símbolo terreno em formas melódicas ou gráficas, para deleite da posteridade, ad aeternum!
A música e a escrita.

Vidago, 2/04/2016
www.antoniofsilva.blogspot.com           





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