sábado, 14 de maio de 2016

O PALITO

O PALITO

É um artefacto que se perde na obscuridade temporal. Há muitos anos eram concebidos de qualquer tipo de madeira, osso espinha ou arame, sem qualquer ajuda cortante, bastando para tal ripar uma lasquinha de qualquer bocado de pau, ou ensaiar todas as práticas até chegar à espinha do bacalhau que sobrou presa aos queixos. Penso que, muito antes da invenção da roda, o palito e o consequente empalitamento já haviam feito a sua aparição; pelo menos desde que o homem começou a ter dentes e sentir a necessidade de lhes remover o insuportável lodo; a segunda fase foi quando começou a ter dois dedos de testa e a assaltar o pomar dos vizinhos para comer a maçã preferida.
  É um consumível tão banal, que não passa pela cabeça de ninguém atribuir-lhe o devido valor, a não ser quando sentem necessidade de remover os restos do bife bem massacrados entre as frinchas da cremalheira cansadas de rilhar. Existem várias qualidades de palitos, contudo, os produzidos de choupo são considerados os melhores.
Várias vezes tenho observado bestuntos que não recorrem a este bastonete de limpeza, preferindo em sabuja alternativa escolher unha suja do dedo mindinho direito - quando não são canhôtos, como é suposto – e, em renhida greve contra o palito, arreganham a beiça com o dedo referido em parceria com mais dois ou três, aparentando estarem limpar a goela, ou a forçarem a entrada da comida para o bucho, dando a ideia de que esta já chegara ao gargalo. Apresentam uma fisionomia que de tão ridícula, dá vontade de rir.
O certo é que este aparelho de “desentupimento” dentário possui as funções mais inimagináveis que se possa pensar; se tivesse que escrever tudo sobre o palito, daria um bom livro.
Ele serve para chatear o vizinho que fez muito banzé durante uma noite de orgia, introduzindo-lhe no botão da campainha um palito para que ele, em ferrado sono diurno, seja obrigado a levantar-se ainda meio ressacado, para desligar o botão e acabar com o incomodativo chinfrim que lhe atribula o sono.
Aqui há uns anos atrás, pelo menos em Coimbra, quando a praxe não era a bandalheira que se vê hoje, ele servia para os caloiros medirem o comprimento dos passeios e outras coisas que se prestassem a medidas lineares - era conhecido por “palito métrico”.
O palito tem também funções paliativas; ainda que indevidamente há quem dele se sirva para caboucar e remover o cerume dos ouvidos e coçá-los; arengam que dá um gozo copular com os canais auditivos; o “orgasmo” sentido maila a ignorância, fá-los entrar em êxtase e acabam por rebentar a membrana timpânica ficando para sempre moucos daquele lado, porém, o prazer que lhes deu, se calhar compensou o arrependimento. Outros, mais atinados para a engenhoca da poupança consequente das crises, que são duas, uma da época actual e outra instalada na sua nitreira cabeçal, também fazem deste pequeno utensílio uma ferramenta muito-usos; depois de desgrudarem o sarro dos dentes e desentulharem a cera dos ouvidos, guardam-no religiosamente no bolso da camisa ou conservam-no num meio seboso entre as orelhas e a abóbora, até que que abeire o próximo enceramento dentário. E o palito dura, dura e dura tanto, que chega a ter um colorido marron.
 Se tivermos ao nosso dispor um palito, com ele podemos picar as alheiras, os bolos de bacalhau, as azeitonas, os rolinhos fritos de bacon com ananás, as rodelas de chouriço ou os bocados de presunto etc., quando estamos com afincado prazer a dar cabo da saúde numa petiscada.
Há, acontece também que existe quem se sirva deles para enfeitar a testa em dias de carnaval ou para toda a vida; a esta liturgia já não se diz usar o palito, mas por maliciosa comparação, ser empalitado.
Além de imensos serviços prestados pelo palito, um existe que é de suma importância por ser usado como uma medida de foro psicológico que é a mensuração do medo, do  pavor; “ estava com tanto medo, que não lhe cabia um palito no cú”.
Bem, como tenho vindo quase sempre a ortografar sobre coisas sérias, desta vez dediquei este meu bocadinho de tempo a temperar com um pouco do sal da alegria, as angústias da vida, recorrendo a este articulado em homenagem ao palito e a todos os que desta pequenina coisinha se servem para o desentulho da dentição, remoção de moncos, alívio da comichão auditiva, e outras coceiras onde ele possa chegar; é também  uma homenagem a todos os empalitados.
Então… vivas ao palito!!!

António Figueiredo e Silva
Coimbra, 12/06/2016
ou:
www.antoniofigueiredo.pt.vu

  
 



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