sexta-feira, 18 de novembro de 2016

O RAPZITO

Esta crónica devia ser escriturada daqui a
 cinquenta anos, mas eu já cá não estarei;
por isso, aqui fica ela a marcar o seu lugar  
para a posteridade.
(A.  Figueiredo)


O RAPAZITO
*(Crónica futurista)


 Quando veio ao mundo houve logo mãos protectoras que ampararam o fedelho para ele não ter batido com a cabeça no penico, acidente que, se tivesse acontecido, talvez lhe tivesse feito despertar a parte cerebral mais complicada que durante a vida o abandonou; a do raciocínio.

 Egocentrista assumido, não por doença mas por parvoíce, foi, indubitavelmente a particularidade mais marcante da sua maneira der ser. Começou em miúdo, ainda a tresandar a cueiros, por levar uma vida de adulto e passou à de adulto com modos de miúdo, apanágio que também o acompanhou pelo resto da vida, todavia cada vez mais refinado, e se manteve até ao bater a caçolêta.
Foi um triste! Quando abria a matraca, nada de jeito desembocava, a não ser umas graçolas salobras e sem piada nenhuma, em que ele ria sozinho, de alma vazia, extravasando a sua patetice com um rir forçado, falsamente adubado pelo bater de palmas e sorrisos de favor, vindos dos parasitas que o rodeavam por dele carecerem e que sub-repticiamente faziam questão em estender-lhe o tapete cinzento da manha, para também satisfazerem as suas ambições.
Não estudou mas dedicou-se ao “encornanço” e tartarugamente lá conseguiu sacar uma licenciatura; depois, de cabeça atulhada de pevides de abóbora porqueira, mas com alguns apadrinhamentos, alcançou uma cómoda posição na hierarquia social onde granjeou uma intocabilidade que lhe permitia fazer e dizer tudo o que lhe ia na puta da alma danada, sem disso ser responsabilizado.
Como foi um rebento duma família abastada, onde toda a protecção lhe era incondicionalmente concedida, nunca saboreou as agruras da vida, que fazem calos, dão saber e vincam a força de carácter nos verdadeiros homens de bem, a fina flor de uma elite, independentemente da sua proveniência.
Foi um rufia merdoso no seu tempo, onde o egocentrismo de meia tigela imperou e ultrapassou de longe a sua capacidade de pensar, afundando a cotação da sua imagem na sociedade em que viveu vindo mais tarde a cair na desgraça.
 Assaltado por um descrédito de consciência, onde o remorso lhe moía o juízo, morreu sem ele!
Certamente que, em algum momento de lucidez, há-de ter cogitado para consigo, imerso numa pesada tristeza: era preferível eu ter sido pastor nos Montes Hermínios onde, apesar dos extremos climáticos sazonais, a liberdade é quase absoluta e as ovelhas ter-me iam compreendido melhor, do que esta sociedade parasitária que em breve deixarei.
Agora já é tarde! – Deve ter pensado.

António Figueiredo e Silva
Coimbra, 17/11/2016
www.antoniofsilva.blogspot.com

*Esta pequena história encerra algo que me faz lembrar
“O Mandarim”, de Eça de Queiroz, cujo personagem por
ele criado, arranjou uma “carga” com a qual não pôde, vindo
cair no hemisfério da sua insignificância.

    




                                                                                                                 

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