sábado, 11 de março de 2017

A SELHA

Esta crónica já tem uns anitos, mas nem
por isso abandonou a sua actualização.
(A.   Figueiredo)



 “A SELHA”



Em tempos que há muito voaram, era um utensílio imprescindível em qualquer casa que pugnasse pela limpeza. Era naquele vaso redondo e de baixa altura, construído toscamente com aduelas de madeira, coesas por dois arcos de chapa fina atamancadamente ligados por dois ou três cravos de ferro, que se faziam as célebres barrelas, que com o aproveitamento de cinza rica em potassa, – ei!... eu não disse putassa, disse potassa- tornavam a roupa mais branca. Era o recipiente onde se lavava a roupa suja e outras coisas que tais (?).
Por analogia era uma coisa parecida como aquilo a que hoje chamamos de parlamento, onde nada se parla, mas todos se altercam, todos se agridem e todos se insultam, numa constante e frenética azáfama de “lavagem de roupa suja”. Não há vez nenhuma que eu veja imagens de serenidade, respeito mútuo e consenso. Não sei se é fita para impressionar a opinião pública -a minha não impressionam- ou se é falta de formação, mas o certo é que isto tem vindo a acontecer.
-Senhores deputados (?)!... Senhores deputados (?)!... É favor retomarem o silêncio.
Bem, na minha terra dizem, não sei se é verdade, que quando um burro fala, o outro abaixa as orelhas. Isto sem desprimor para os burros, animais que no pensar são muito parecidos connosco, os quais por tal facto eu muito admiro e nutro grande consideração.
Estes à partes são como se fossem uma no cravo e outra na ferradura, pois não quero que os burros fiquem aborrecidos pela acérrima e descarada concorrência que lhes tem sido feita.
Mas, voltando à vaca fria, a selha, como utensílio, hoje está em desuso, porque o polímero veio estragar tudo, mas a sua filosofia – selhosofia - continua e em franco progresso e eu até era capaz de jurar que se lava mais “roupa suja na selha”, do que em todas as lavandarias do país.
Tem sido um constante macular de nódoas das mais diversas espécies e um acumular de roupa suja de tal maneira, que não vejo o fim à sua lavagem obrigando-me a crer que a “selha” não mais terá paz e nós também não.
As “nódoas” que dão origem às mesmas, podem evitá-las se tiverem discernimento e inteligência suficientes para interiorizar que a virtude do diálogo e da compreensão são os pontos fulcrais para a resolução de quaisquer problemas por mais intrincados que eles sejam, e escusam de dar maus exemplos a cerca de dez milhões de almas, que por vezes ficam com cara de parvos, ao ouvir tanta bosteirada.
Apesar de todo o avanço da tecnologia, que avançou mais do que a educação moral e cívica, eu sou a favor da existência da selha, não para lavar roupa suja, mas para lavar a língua de quem por pura oligofrenia, não a sabe utilizar convenientemente.


António Figueiredo e Silva
Coimbra, 05/2003



    


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