sexta-feira, 3 de novembro de 2017

A BANDALHEIRA Carta ao meu amigo Zé (IX)

Voltar atrás, é melhor do que
 perder-se no caminho.
(Provérbio russo)


A BANDALHEIRA
Carta ao meu amigo ZÉ (IX)


Ei, Zé! Bom dia!
Já não sei quantas cartas te escrevi, mas tenho na ideia que já foram algumas.
Apesar de ter passado muito tempo sem que tenha havido quaisquer correspondências entre nós, espero que permaneças vivo e bem de saúde, porque até há agora não recebi nenhuma notícia declarando o contrário; tu bem sabes que as notícias más têm uma grande gasosa de alastramento.
Aí te envio uma foto minha, para veres o meu estado actual. Nada mau, apesar das mazelas.
Olha, pela minha parte, apesar de andar um bocado combalido das ossadas, o “mau” temperamento ainda não mudou; creio que hei-de morrer assim. Sempre respingador e contestatário, quando as coisas não me farejam bem.
Resolvi escrever-te esta carta, porque ando um bocado desanimado com esta merda toda, porque estou a ver que ninguém se entende e o que todos procuram é sangrar o mais possível. Olha pá. Eu já não acredito em ninguém.
Repara que desde que penetrou com triunfante e desorganizada recepção, a liberdade em Portugal, todos os graúdos começaram a meter o dedo, a criar “sacos azúis”, na Suíça, França, Ilhas Caimão, Cabo Verde e não sei mais aonde, tudo à nossa custa, graças á nossa apatia e falta de nervos de aço, que têm facilitado a proliferação de toda acambada de ladrões e chulos que entre nós andam a depenar-nos, e não há justiça que lhes toque.
Os montes queimam aos “montes”, e os incendiários andam à solta; os ladrões, ladrões de alto nível, continuam por aí a pavonear-se, como se nada houvesse acontecido; os sistemas de saúde estão cada vez mais garroteados e a sua acessibilidade não está ao alcance de todos; o ensino anda muito por baixo, não por causa dos professores (quando falo em professores é para aqueles que sabem sê-lo, porque há muita merda à mistura), mas por culpa do sistema, cuja deficiência é notória; a justiça, coitadinha da justiça, se não lhe retiram a venda para poder ver a porcaria instalada nas costas da razão, também não vai a lado algum; a segurança, essa, tem sido tão escarnecida e amesquinhada, quer por alguns cidadãos “sérios e cumpridores” anárquicos, como pelo próprio governo, que caiu num fosso de debilidade onde a sua acção, por força destas e de outras circunstâncias, se tornou propositadamente deficiente porque os seus elementos têm que salvar o seu pão e a sua pele dos processos que lhes podem ser movidos por actuações no cumprimento do seu dever, resultando daqui, que nós cidadãos não temos e segurança - esta está em vias de extinção.
Olha Zé, nunca esteve tão bom para o crime em geral como até agora, desde pequenos delitos até crimes de alto gabarito; é propício para estudar em sêco e aprender a ser burro com Dr., e, se for inteligente nem emprego vai ter; presentemente até há boas condições para morrer por falta de assistência competente e franca, ou por carência de medicação.
Há um sem número de coisas, que quando me ponho a matutar, fico em ebulição.
Zé, meu rapaz e velho amigo, isto não é só um desabafo, é um desabafo amortalhado num sentimento de apoquentação e repulsa, nojo e revolta, cuja mistura me faz espremer o fígado e enrodilhar-me o pensamento, dando como resultado esta revolta, meu único meio de desintoxicar.
Desculpa-me o último desabafo, - por agora - pois sei que estás fartinho de me aturar:
Estamos rodeados de vampiros, víboras e sanguessugas; espécies malditas, pertencentes à classe dos oportunistas.
Isto está uma bandalheira.
Ó Zé, se calhar temos de voltar atrás!?
Um abraço amigo e até à próxima missiva - se eu estiver vivo e puder.

António Figueiredo e Silva
Coimbra, 03/10/2017

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